08 de dezembro é dia de Oxum, e na capital mato-grossense esta data se entrelaça com a celebração da padroeira da cidade, Nossa Senhora da Conceição. O terreiro umbandista - Centro Espírita Nossa Senhora do Carmo (CENSC) tem duplo motivo para comemorar, pois será realizada uma cerimônia de confirmação de batismo sob as benções da mais feminina das Orixás, Oxum, em seu dia. É mister celebrar, pois os novos adeptos da Umbanda – religião de matriz afro-ameríndia brasileira – tornam-se, de fato, umbandistas pelas águas sagradas de Mamãe Oxum. Uma simbologia de (re)existência, reconexão com nossos ancestrais, nossas identidades e (re)instauração de novas narrativas. Trago aqui quatro depoimentos de jovens inseridos no universo umbandista.
Oxum
Oxum é a revelação do amor. É a rainha da pureza, da beleza, da riqueza e da prosperidade. Tudo o que floresce pertence a sua vibração e atuação: o material, o amor, as oportunidades da vida e o crescimento das famílias.
Giovana Fernandes, advogada e trabalhadora do CENSC, tem uma ligação com os terreiros de candomblé e umbanda que remonta ao período em que ainda estava no ventre de sua mãe. Ela descreve essa conexão com excitação: “É maravilhoso como a umbanda, com toda a sua riqueza espiritual e cultural, é uma fonte transformadora de paz na vida das pessoas. Antes mesmo do meu nascimento fui guiada por ela e a conexão com as minhas raízes possuem um significado muito profundo e único. A umbanda tem essa capacidade de tocar profundamente a alma, oferecendo não apenas ensinamentos espirituais, mas também um espaço de acolhimento e cura em níveis espirituais, físicos e psicoemocionais”.
Desde cedo, Giovana sentiu um desejo intenso de aprender mais sobre uma religião que já fazia parte de sua essência. Encantada relata: “Desde muito jovem, sempre senti uma grande curiosidade e um desejo de aprender mais sobre essa religião que, de alguma forma, já fazia parte de mim. Tinha uma ansiedade (alegria) em ouvir as experiências e histórias de meus avós e minha mãe, que compartilhavam com carinho a riqueza dessa fé. A umbanda transformou minha vida de maneira profunda, tocando meu espírito e me proporcionando um senso de pertencimento. É o espaço onde encontro paz, onde me sinto conectada com o divino e com minha ancestralidade. Sempre anseio por estar nesse lugar, porque sei que é ali que sou verdadeiramente eu, em sintonia com o sagrado”.
A jovem Giovana nos sensibiliza com seu relato: “O amor, para mim, apareceu quando Oxum, Yansã e Ogum me escolheram, guiaram-me e protegeram-me. Foi ali, na força desses orixás, que encontrei a verdadeira manifestação do amor. Oxum, Yansã e Ogum não apenas curaram-me das dores, mas fizeram-me buscar dentro de mim a coragem e a força que eu desconhecia. Eles me mostraram que o amor verdadeiro não é apenas sobre ser amada, mas sobre ser capaz de amar-se, de renovar-se e de reerguer-se, com a força que só quem é tocado por essas energias ancestrais pode compreender. Foi nesse encontro com minha própria essência que percebi que o amor verdadeiro não é aquele que buscamos nos outros, mas o que encontramos ao reconectar-nos com a nossa própria essência”.
Para Yasmim Lara, assistente administrativa e estudante da faculdade de Administração na UFMT, compartilha com emoções suas vivências na Umbanda: “ Certa vez me perguntaram o que é a Umbanda? E eu fiquei procurando alguma palavra que definisse essa religião por si só. Mas é impossível responder essa pergunta, sem vivenciá-la na pele, todos os dias, todas as giras, todos os trabalhos, todos os fundamentos que nos é ensinado. A Umbanda é como uma mãe, que protege, zela dos seus filhos, que cuida e que ama, mas que também pega no pé, corrige seus erros, puxa sua orelha querendo ‘nosso bem’ que muitas vezes batemos o pé duro no chão ”.
Yasmim médium e trabalhadora do CENSC dá continuidade à sua narrativa enfatizando a relevância do significado Umbanda em sua vida e revela a magnitude do ser umbandista, sempre sustentada pelos fundamentos do terreiro: “a importância dela na minha vida é extrema, porque a Umbanda salva, ela te faz renascer uma outra pessoa, isso tudo trabalhando com ancestralidade. Todos os dias ela nos ajuda em nossos relacionamentos, em nossa saúde, família, em nosso ser e em nossa vida. Ela é fortaleza, é renascimento, é ensinamento e respeito pelos mais velhos. Ser umbandista para mim, é o maior orgulho que carrego em minha vida, porque ser umbandista não é ser a pessoa mais pacífica, mais tranquila ou mais evoluída… Ser umbandista é ser uma pessoa humilde, atenciosa, é ter respeito e fé, e, nada disso adianta sem uma casa que te faz realmente ser umbandista. Uma casa que cultua verdadeiramente os fundamentos, que ajuda seus filhos e que faz tudo isso com dedicação mesmo nos seus árduos dias”.
Gustavo Ramos, segurança do trabalho, médium no CENSC, é bisneto de uma das mães de santo mais atuante em Cuiabá nos anos de 1970 a 2010, acolhendo, atendendo com dedicação e carinho todos que buscavam sua ajuda nos bairros Consil e Alvorada. Ele destaca que: “A umbanda para mim é um reencontro com minha ancestralidade, sinto sendo guiado por eles neste caminho de luz, caridade e amor. Os ensinamentos transmitidos pelas entidades através de um atendimento ou trabalho podem mudar completamente sua maneira de pensar e viver. Outra certeza que tenho atualmente ‘você não está sozinho e muito menos desamparado’. Depois de ter passado por várias igrejas hoje encontro-me muito feliz na Umbanda, seguindo meu caminho de descoberta e transformação”.
Juan Cristopher, estudante de arquitetura foi conduzido há um ano a casa pelo seu companheiro, médium que participará do ritual de batismo de Oxum. Juan compartilha sua experiência na Umbanda e descreve seu processo de autoconhecimento: "A Umbanda, nessa minha trajetória de quase um ano, tem sido uma história de reconexão e conhecimento, de quem eu sou hoje. É o tracejo do meu eu, o qual quero alcançar. Desde o meu acolhimento por essa casa, fui ajudado por ela, o que tem me feito sentir pertencente. Há um propósito maior em tudo isso, considerando desde a primeira visita até o momento atual, tenho colocado-me à disposição da espiritualidade para minha autoajuda e auxiliar ao próximo em suas necessidades. É o ressignificar do pensar e agir. É a quebra de toda as características mais inescrupulosas, tais como a arrogância, egoísmo, egocentrismo e inveja. É despir-me de tudo aquilo que não me cabe mais, para que me seja agregado a compaixão, amor e resiliência."
O Centro Espírita Nossa Senhora do Carmo celebra mais uma de suas atividades religiosas: o batismo na linha da Orixá Oxum. Esse momento é motivo de alegria e comemorações, mas também reflete o amadurecimento da casa, dos dirigentes e de todos os trabalhadores. Nessas cerimônias, os compromissos e as responsabilidades espirituais são (re) confirmados, além de indicar que estamos trilhando o caminho corretamente. Ao realizarmos o batismo dessas pessoas, verificamos que muitos assistidos da casa transformaram-se em umbandistas, enquanto outros tornaram-se trabalhadores comprometidos com a caridade e o amor. São aptos a seguir suas caminhadas levando a “bandeira da Umbanda, do amor e da paz”. Salve a Umbanda e os Orixás!
Yasmim Lara finaliza agradecendo, mantendo sua individualidade, mas coletivamente sente-se integrante da grande família de axé ou de santo: “Eu agradeço a mãe Gilda, pai Dionildo e também mãe Giulianna pela oportunidade de nascer umbandista nessa casa, pois nada seria assim, sem as pessoas que me fortalecem. Porque a umbanda para mim também é família”. Já Giovana Fernandes sensibilizada, aproveita a cerimônia para externar o reconhecimento das proteções recebidas e celebrar a comunhão do amor e da fé: “nesse batizado, quero expressar minha profunda gratidão as entidades (Oxum, Yansã e Ogun) que têm sido essenciais na minha caminhada espiritual. Agradeço a eles pela orientação, proteção e presença constante, que me sustentam e me ajudam a evoluir a cada passo dessa jornada. Esse momento é uma celebração de fé, mas também de reconhecimento por tudo o que essas forças sagradas representam em minha vida”.
A cerimônia do batismo levou Gustavo Ramos a mergulhar na história de sua família, trazendo às lembranças a profunda espiritualidade de suas bisavós: “Lembro do altar da minha bisavó por parte de pai, com os santos Santo Antônio, São Francisco, Nossa Senhora Aparecida, Santa Maria, a imagem de Jesus e a oração de São Francisco. Minha bisavó Alice Ramos tinha um terreio e atendia, semanalmente inúmeras pessoas. Do outro lado da minha família materna, minha outra bisavó, tinha momentos em que ela incorporava guias, em casa, junto com seus filhos, familiares mais próximos e amigos. Naqueles momentos sagrados, ela recebia o caboclo Pena Dourada, Chica Preta e a vovó Catarina, e ali ela realizava passes e dava consultas. Minha bisavó Elizete”
Ponto cantado [1]:
Eu vi mamãe Oxum na cachoeira
Sentada na beira do rio
Eu vi mamãe Oxum na cachoeira
Sentada na beira do rio
Colhendo lírio, lírio ê
Colhendo lírio, lírio á
Colhendo lírio pra enfeitar nosso conga
Eu vi mamãe Oxum na cachoeira
Sentada na beira do rio
Eu vi mamãe Oxum na cachoeira
Sentada na beira do rio
Colhendo lírio, lírio ê
Colhendo lírio, lírio á
Colhendo lírio pra enfeitar nosso conga
Oração a mãe Oxum:
“Salve Oxum, dourada senhora da pele de ouro, bendita são tuas águas que lavam meu ser e me libram do mal. Oxum, divina rainha, bela orixá, venha a mim, caminhando na lua cheia, trazendo em suas mãos os lírios do amor e de paz. Torna–se doce, suave e sedutor como tua és. Oh! Mamãe Oxum, proteja-me, faça que o amor seja constante em minha vida, e que eu possa amar toda a criação de Olorum. Proteja-me de todas as mandingas e feitiçaria. Dai-me o néctar de sua doçura e que eu consiga tudo o que desejo: a serenidade para agir de forma consciente e equilibrada. Que eu seja como suas águas doces que seguem desbravadoras no curso dos rios, entre cortando pedras e se precipitando ás cachoeiras, sem parar nem ter como voltar atrás, apenas seguindo meu caminho. Purifique minha alma e meu corpo com suas lágrimas de alento. Inunda-me com sua beleza, sua bondade e seu amor, enchendo minha vida de prosperidade. Salve Oxum!”.
Por Gilda Portella – sacerdotisa de umbanda, multiartista e mestranda PPGECCO/UFMT.
[1] Campos, D. G. e Altimari, G. Rituais da Umbanda: velas e símbolos. Cuiabá, Umanos Editora, 2021.