“Cresci dentro da tradição da folia e sempre tive vontade de fazer os festejos e sair com a folia, meu pai José Ribeiro de Paulo era Folião, e faleceu ano passado. Meu esposo é a primeira vez que ele está participando, e está me ajudando e apoiando durante o giro da folia e na organização dos festejos”. Este o sentimento da jovem bióloga e festeira Aline Aparecida Ribeiro Vasconcelos que emocionada, segue a tradição familiar.
O sagrado e profano envolve a todos em harmonia de propósito, união, e devoção aos Santos Reis, Melquior, Gaspar e Baltazar. Aline expressa gratidão ao padrinho “Gago” pelo apoio emocional, organizacional, ao ajuda-la a viver o luto, superar medos, insegurança e ter ânimo para dar continuidade a esta tradição familiar e coletiva do grande festejo.
Fala da generosidade do primo Walderson que cedeu seu lugar para que ela pudesse ser a festeira em homenagem ao falecido pai. Olhos brilhando e sorriso aberto, convida a todos a participar da grandiosa Festa dos Santos Reis na Comunidade do Alto Diamantino, nos dias 3 e 4 de janeiro de 2025. Com amparo oficial apenas da prefeitura municipal de Torixoréu, a jornada da Folia, conta com a presença, colaboração e apoio financeiro dos participantes e da comunidade em geral.
Aline Vasconcelos e Jeferson Rodrigues da Silva são os festeiros da 46ª festa da Folia de Santos Reis 2025 do Alto Diamantino, vila do município de Torixoréu-MT.
Os foliões visitam cada fazenda, casa ou comércio da cidade tocando, cantando, entoando orações em ritmo das flautas, pífano, gaita, zabumba, caixa pequena, pandeiros, reco-reco, triângulo, afoxé, honrando a bandeira vermelha, ornada de fitas coloridas, conduzida majestosamente pela festeira Aline, numa representação iconográfica da visita dos três Reis Magos ao menino Jesus na manjedoura. Em demonstração espontânea de fé, alguns devotos beijam a bandeira e depois oferecem dinheiro que é afixado com alfinetes, num gesto de apoio silencioso e emocionante.
A pequena caravana não tem camelos, nem reis coroados, mas carrega cânticos de sabedoria, amor, memória coletiva, de história e identidade de um povo. As devoções musicadas com fé e inspirações poéticas, estéticas, éticas dão sabor, ao colorido performático onde devotos e foliões experimentam a força e o encantamento que os conduz na jornada mítica de 16 de dezembro até quatro de janeiro, numa folclórica celebração histórica e religiosa do nascimento do menino Jesus.
A riqueza das práticas (saberes e fazeres) e das representações culturais e religiosas demanda que os foliões expressem suas sensibilidades devocionais com o corpo. O seu corpo é a matéria viva que pulsa, respira, transpira, ajoelha e levanta, emocionado, canta, dança e reza e assim reestabelece relações com a comunidade do Vale do Rio Araguaia, com a identidade cultural, religiosa e com a memória coletiva.
A folia de Santos Reis é composta por 12 membros. Claudinei Alves, gaiteiro (toca flauta de pífano); Francisco Antônio Rodrigues, conhecido “Seu Chico Sanfoneiro" toca gaita (flauta de pífano); Welington Moreira de Abreu, o "Coreano” é o “reizeiro” (devoto e membro permanente da Folia do Santo Reis) toca bumba, caixinha, triângulo é gaiteiro; Thiago Nunes vai de bumba e caixinha; Ariston Lima, toca bumba e caixinha; “Seu” Demilson Pereira de Souza, o popular “Dema”, é nosso reizeiro (devoto e membro permanente há vários anos da folia do Santos Reis), ele toca caixinha e é o bumbeiro (toca a bumba);"Seu” Gerulino Pereira de Abreu, 77 anos, que é um dos mais velhos na folia, toca o afoxé, participa da folia há mais de 50 anos; Ademilson Rodrigues o “Gago", é o ponteiro da folia, que recebe as ofertas, e faz pedidos das prendas; Lucas Henrique Couto Ferreira é o pandeirista; Jefferson Rodrigues da Silva (festeiro) e toca reco-reco; Aline Vasconcelos que leva a bandeira do Divino e vai guiando os foliões; Vanderlei de Souza Ribeiro é o motorista do caminhão, leva os foliões, seus instrumentos musicais, colchões, roupas para o giro de 21 dias além de transportar as doações recebidas.
Thiago Nunes, estudante, é o caçula do grupo cultural, aos 17 anos; e diz orgulhoso: “eu acompanho a folia de Santos Reis desde os meus seis anos de idade. A família inteira é devota dos Santos Reis Magos”. Desde a infância aprendeu cantar e tocar as músicas sagradas e ancestrais, que são anunciadas ao som dos fogos de artifício, criando uma atmosfera que emociona e contagia.
Aline a festeira, informa o percurso da bandeira: “Nós saímos dia 16 dezembro lá do Alto Diamantino, viemos percorrendo as fazendas na região do município de Torixoréu. Dia 18-12 chegamos na cidade de Torixoréu-MT. Vamos passar aqui na Baliza-GO e Bom Jardim-GO de onde voltamos para o Alto Diamantino e lá vamos fazer a região de Guiratinga (Alcantilado) Alto Garças, e as fazendas dessas regiões mato-grossenses. E voltamos para a vila dia primeiro de janeiro de 2025. Encerramos o giro (pelas fazendas no entorno e demais municípios vizinhos). Daí faremos o giro nas casas da vila do Alto Diamantino. No dia 3 e 4 de janeiro de 2025 começam os festejos.”
Estudiosos da cultura popular dizem que os foliões são especialistas populares que reconstroem, readaptam, resignificam as representações, as apropriações e práticas da dinâmica da vida na cidade e no campo.
Manifestam a fé através de rituais que incluem expressões musicais, plásticas, performances estéticas, poéticas, políticas e éticas, constituindo-se em importante recurso epistemológicos da história cultural e das religiões; a transmissão oral, o patrimônio material e imaterial brasileiro deve ser salvaguardado pelos órgãos oficiais (municipal, estadual ou federal) e também pela comunidade local, verdadeira detentora do saber e da epistemes qual depende a efetiva pratica pela transmissão para as futuras gerações.
Em círculos os foliões retiram seus chapéus que são depositados ao chão com copa para cima, em sinal de respeito devocional ao Santo Reis Magos, dançam, cantam, tocam e a comunidade participa entoando os cânticos, e atirando as doações em dinheiro no centro da roda.
Assim, desperta a performance de uma espécie de “brincadeira competitiva” entre os foliões mais hábeis, pois eles não podem parar de tocar seus instrumentos enquanto recolhem todas as cédulas. Uns se ajoelham, pegando com o sopro da flauta, outros encostam suas testas suadas e selam a nota que é transportada para um dos chapéus, outros usam a boca.
O folião tocando seu instrumento musical também deve ser capaz de recolocar a cabeça no chão e ergue-lo sem derrubar as notas para assim ser merecedor das receptivas notas. Reavivamentos de habilidades e técnicas corporais, ritualmente são exaltadas, reconfirmadas e rememoradas. O tempo circular reverbera por todos os membros dessa comunidade ligado presente passado e futuro, onde o melhor lugar do mundo é aqui é agora. Viva Santos Reis.
Por Gilda Portella- multiartista, sacerdotisa de umbanda e mestranda do PPGECCO- UFMT