Saberes e Sabores de Dona Cotinha: uma vivência quilombola no coração de Cuiabá
Por Manoel Silva
Em uma casa simples, rodeada de ervas, panelas de barro e o cheiro inconfundível do que é feito com alma, vive Maria das Dores — ou melhor, Dona Cotinha, como é carinhosamente chamada por todos no bairro. Será ali, no quintal de chão batido e na cozinha de fogo antigo, que pulsará uma memória viva: a do viver quilombola.
Graças ao projeto “Saberes e Sabores Quilombolas”, que será realizado com apoio da Lei Aldir Blanc no município de Cuiabá, a comunidade terá a oportunidade de mergulhar nessa rica vivência que unirá o cotidiano, a ancestralidade e a resistência através da comida, das histórias e dos gestos de cuidado com a terra e com as pessoas.
Dona Cotinha não é apenas uma guardiã de receitas — é uma mestra de um tempo em que o alimento era também cura, celebração e política. Em suas palavras mansas e certeiras, todos aprenderão que “comida é memória, é jeito de cuidar sem precisar dizer muito.”
Durante a realização do projeto, serão promovidos encontros abertos à comunidade, rodas de conversa, oficinas e degustações, em que cada prato servido virá acompanhado de uma história. O angu de milho, o bolo de fubá, o chá de folha de alecrim com cidreira, o biscoito de ramos, bolo de arroz contarão fragmentos de um viver coletivo, marcado por saberes passados de geração em geração.
Mas o projeto irá além da comida. Ele levará à reflexão sobre a invisibilidade das comunidades quilombolas urbanas e mostrará como figuras como Dona Cotinha serão fundamentais para a preservação cultural e para a construção de outras formas de existir na cidade.
“Minha vó me ensinou a plantar, minha mãe a cozinhar, e hoje eu ensino outras gerações. A gente não pode deixar isso morrer”, diz ela, com os olhos marejados.
Ao final das atividades, será produzido um pequeno caderno de receitas e memórias, que circulará entre escolas, centros culturais e feiras locais — um gesto político de partilha e permanência.
Dona Cotinha mostrará que resistir também será saber viver com sabor. E que o quilombo, mesmo na cidade, continuará sendo um lugar de força, comunidade e afeto.